terça-feira, 15 de março de 2011

Um Rancho na Praia






A casa era verde. Na frente tinham uns postes coloridos, acho que eram quatro, e os bancos compridos que descansavam embaixo das janelas de cor clara e que nos chamavam para sentar depois do almoço. Na grama lateral colocávamos uma coberta e sentávamos todos ali pra brincar, até o dia em que apareceu, sem ser convidada, uma aranha bem feia e acabou com a nossa alegria. Lembro de uma peça, um “quartinho” que abrigava uma maquineta estranha que bombeava água para a caixa; era escuro e com um cheiro de tijolos molhados, de umidade, água de poço e medo. Dava medo aquele quartinho. Lá atrás tinha a lavanderia, cheia de janelas e luz e que tinha um tanque muito grande onde lavavam nossas roupas e às vezes os menores se banhavam, como se fosse uma piscina muito especial. Era bom ser pequeno naquela época. Tinha o privilégio dos primeiros lugares na fila do banho, que era naquela bacia de alumínio enorme, acompanhada de uma caneca. Tinha que ser rápido, antes da água aquecida em panelas no fogão esfriar, e a fila não era pequena. Depois do banho, era servida a janta na cozinha grande, com uma Frigidaire cor-de-rosa à querosene que ficava num canto, uma mesa de fórmica e não lembro onde ficava o fogão, mas lembro que não tinha luz. Tudo acontecia antes do anoitecer, o banho de bacia e o jantar barulhento, para só então nos juntarmos na sala, sentados com os pés erguidos para não ter problemas com os monstros que moravam embaixo do sofá, à luz de algumas velas apoiadas nas saliências da parede e então eram contadas piadas e histórias tenebrosas, o que nos fazia atrasar cada vez mais a hora de ir pra cama. A casa verde tinha muitos quartos e nos parecia enorme, dois de casal na frente com lindas janelas de vidro, um nos fundos grande com as paredes de pedra e uma divisão ilusória para um quarto de solteiro com beliches. Na frente, ao lado dos quartos de casal tinha um que era especial: o “quarto dos solteiros”, com dois beliches e a janela que dava para a lateral onde estava o “quartinho da bomba”. Sinistro e muito atraente. O medo era atraente. Lembro das sextas-feiras, quando ficávamos esperando os nossos pais que viriam passar o fim de semana na praia e trariam presentes. Na verdade, esperávamos os presentes mais do que os pais. Uma vez ganhamos umas bolsinhas de plástico transparente para usar na praia que juro que nunca mais vi nada tão bonito. Ou então uma sandália de plástico de causar inveja e que o mar engoliu no primeiro banho (juro que não foi minha culpa ou meu olho gordo). O fato é que ficávamos cuidando os faróis dos carros na escuridão que a ausência de luz nos proporcionava e tentávamos adivinhar quando seriam realmente eles e era uma delícia, não importando se errávamos ou não. O fim de semana era de casa cheia e no domingo à tardinha o vazio e o silêncio enchiam a casa. Um dia chegou a luz e os banhos foram diferentes, a velha Frigidaire cor-de-rosa foi substituída por uma tão sem graça que nem lembro a cor; já não ficávamos mais na sala depois do jantar contando piadas e morrendo de medo do "quartinho da bomba", porque até ele tinha sua lâmpada. Nas sextas-feiras a espera dos faróis dos carros nos foi roubada pela iluminação das ruas que nos permitia, por outro lado, ficar acordados até quase a hora dos adultos. Na verdade não foi só a luz que chegou e mudou tudo. A luz chegou e já não éramos mais crianças, já não achávamos graça em brincar com os postes coloridos que tinham a marca do nosso crescimento ano a ano, já não assustavam as aranhas e a "casinha da bomba". E um dia não voltamos mais à casa verde. Era tão grande aquela casa verde e éramos tantos que não foi possível apagar todas as lembranças do que vivemos por lá. A casa verde não existe mais, que bom não ter voltado lá pra ver que provavelmente ela nem era tão grande assim, mas era um rancho que criou muitos netinhos bem perto do mar.

2 comentários:

  1. Esta narrativa me levou novamente a "casa verde", me fez lembrar que as casas tinham nome e que em frente a nossa mansão tinha o "Forte Apache", imponente pelo nome, que no final da rua havia o posto da Brigada Militar e que para chegar a praia era necessário atravessar cômoros ( Gauchês-Português ) enormes. Lembranças que nos tornam crianças novamente e que nos fazem entender a ligação de alma com nossos irmãos-primos. Privilegiados os que tem lembranças de uma infância como a nossa! #ganheiodia

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  2. Marthinha, impossivel não se emocionar com essa viagem aos anos 60/70. Eu tenho uma foto da casa verde, com vcs sentados no banco na varanda, sob as janelas da frente.Tb tenho uma foto na etapa da construção, qdo ainda não tinha o quarto de pedras e a cozinha era pequena. A Friggidaire Futurama da vó Olga não era a de querosene. Essa, era branca e grande, que nós levamos quando o quarto de pedra ficou pronto e a cozinha passou a ser enorme. Ainda me lembro do cheiro da querosene que me impedia de dormir logo que me deitava, com medo que pudessemos nos envenenar com o tal combustivel.A casa pode ter sido totalmente transformada, mas nas nossas lembranças, ela permanece tal qual foi construida. Belas e boas lembranças.Obrigada por essa bela recordação.

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